Review: U2 – Songs of Innocence

Por Felipe Gugelmin

A não ser que você viva em uma caverna, você provavelmente já ouviu falar sobre o novo disco do U2, batizado como Song of Innocence — diabos, até mesmo quem vive dentro de uma caverna sabe do novo trabalho, a não ser que a conexão Wi-Fi não esteja pegando direito. Em resumo, o trabalho chamou a atenção por dois motivos: ter sido anunciado junto à coletiva de revelação do iPhone 6 e por ter sido imediatamente disponibilizado de forma gratuita na iTunes Music Store durante tempo limitado.

Em meio a diversas matérias falando de quanto a Apple investiu no trabalho (aproximadamente US$ 100 milhões, basicamente troco de pão para a empresa nesse ponto) ou do que isso representava para a música em geral, notei algo estranho: parecia que ninguém falava da qualidade das músicas em si. E é justamente para isso que estou aqui, amigos.

Antes de falar sobre Songs of Innocence, acredito que cabe apresentar meu “currículo de U2”: embora nunca tenha sido um grande fã da banda, gosto de trabalhos como Joshua Tree e até mesmo aprecio algumas coisas de All That You Can`t Leave Behind — e tenho admirações por várias faixas soltas, como “Bad” (melhor balada da banda, dane-se “One”) , “40”, “Electric Storm” e a sempre lembrada “Sunday Bloody Sunday”. Em resumo, acredito que tenho certa propriedade no assunto para falar sobre a banda em geral.

“Por favor, gostem de mim”

Após a audição completa de Songs of Innocence (algo que não foi fácil, mesmo eu tendo escutado o disco de bom grado e com certa esperança), é a frase do subtítulo que martela em minha cabeça. A impressão que fica é a de que, na tentativa de manter sua posição de “a maior banda do planeta”, o U2 decidiu apostar em uma fórmula que agrada a todos — e que, justamente por isso, não agrada a ninguém.

U2 photographed by John Wright

Tal qual o insosso “No Line on the Horizon”, de 2009, o novo trabalho da banda parece fruto do esforço de produtores que se esmeraram o máximo possível para criar “o álbum de rock comportado perfeito”. Sim, sua mãe que não gosta de “músicas barulhentas” com certeza vai adorar o fato de que o disco serve como uma ótima trilha de fundo enquanto você está fazendo coisas mais importantes, mas quem realmente gosta de prestar atenção no que ouve não vai se surpreender em momento algum.

Basta observar qualquer faixa do álbum, desde o single “The Miracle (of Joey Ramone)” até “The Troubles”, que fecha o trabalho para perceber o trabalho de produção milimétrico que parece ter entrado em jogo na hora de bolar o trabalho. O solo de guitarra vai entrar justamente no momento em que você espera, o refrão vai aumentar o ritmo somente o suficiente para você distingui-lo das demais estrofes e volta e meia um ou outro coro vai surgir para reforçar a mensagem que Bono está transmitindo.

jesusfacepalmEm teoria, Songs of Innocence deveria se provar um sucesso fácil: tudo nele é tão milimetricamente bolado de forma a provocar no público emoções — de forma controlada, naturalmente. É um trabalho bastante consistente, sem dúvida, mas tropeça exatamente por isso: ele é constantemente medíocre e comportado, nunca se arriscando a sair da fórmula matemática bolada pela banda — e, justamente por isso, um tanto “sem alma”.

Durante a audição, não há qualquer faixa que saia da fórmula, qualquer música que tente fazer algo diferente das demais — ou seja, temos um novo “Line on the Horizon” em mãos. Ele é aquela famoso disco que você troca para tocar, depois de meia hora pensa que a primeira música ainda está rolando e só daí percebe que metade das faixas já foram reproduzidas.

Ao menos em “All That You Can’t Leave Behind” e “Vertigo”, o U2 tentava se arriscar em algo ligeiramente diferente — obtendo alguns bons resultados, como em “New York” e “City of Blinding Lights” (claro, rodeados por bobagens esquecíveis como “Wild Honey” e “Yahweh”). Talvez no medo de desagradar a alguém, a banda não mostra qualquer personalidade ou resquício de tentativas de mudar o status quo do qual virou símbolo — ou seja, não sobrou nada daquilo que o grupo tentou fazer com “Zooropa” ou “Pop”.

Jogada inteligente

Por mais que Songs of Innocence seja nada mais do que um álbum medíocre e esquecível, não consigo deixar de pensar que, mesmo ciente disso, o U2 não se importa. Afinal, a banda conseguiu o melhor cenário possível para lançar esse álbum e já foi paga bem o suficiente para arcar com quaisquer custos de produção.

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Ao apostar em um “lançamento gratuito”, a banda conseguiu dar visibilidade a um trabalho medíocre sem precisar se esforçar tanto para isso e ganhou os holofotes da maneira com a qual já se acostumou — por motivos que nada tem a ver com a qualidade de sua música. Obviamente, à parceria com a Apple devem se seguir notícias sobre o novo palco que o grupo vai usar em suas apresentações ou coisas do tipo — a qualidade de Songs of Innocence é o que menos importa.

Em resumo: se você gosta do U2, prepare-se para continuar indo nos shows esperando ouvir os sucessos do passado (pagando muito por isso, naturalmente). Porque, em matéria de qualidade de produção, a banda continua não sabendo o que fazer para continuar tendo qualquer espécie de relevância no mundo atual.

Felipe Gugelmin

Aqui para falar que Bird is the word.

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